segunda-feira, 9 de junho de 2008

O surgimento da Literatura documental e o romance-reportagem dos anos 70 como reflexo do ano de 1968

Para entender a ruptura no gênero literário a partir dos anos 70, faz-se necessário entender os motivos que tornam esta década revolucionária e marcante no Brasil. Por isso, analisaremos, não só o quadro político brasileiro, mas também o quadro político mundial, que influenciou nossos artistas, intelectuais, pensadores e escritores, estes últimos, aos quais direcionaremos este estudo.
Sabemos que nenhum incidente surge de um dia para o outro. Desde 1965, a pretexto do incidente do Golfo de Tonquim , o presidente norte-americano Lyndon Johnson ordenara o bombardeio do Vietnã do Norte, e no Vietnã do Sul, um reforço de mais de 300 mil soldados para evitar uma possível vitória dos vietcongs. A partir de então a crescente oposição à guerra dentro dos Estados Unidos quase tornou-se numa aberta insurreição da juventude. As raízes do movimento chamado hippie são detectadas desde os anos 40: caracterizado pela juventude rica e escolarizada que recusava a injustiças e desigualdades da sociedade americana, nomeadamente a segregação racial. Desconfiava do poder económico-militar e defendia os valores da natureza. Em 1969, aconteceu a "Woodstock Music and Art Fair", que foi um símbolo da contra-cultura e das "mentes abertas", onde as drogas eram "legais" e o amor era "livre".



Ainda em 1965, na periferia da capital francesa, instalou-se a Universidade Paris- Nanterre para acolher estudantes que não ingressavam no circuito superior tradicional. Em pouco tempo tornou-se um centro de contestação.
Em nosso continente, pesou a morte de Che Guevara na Bolívia em 1967. Seu martírio pela causa revolucionária serviu para que muitos se inspirassem no seu sacrifício.
O ano de1968 foi o ponto de partida para uma série de transformações políticas, éticas, sexuais e comportamentais, que afetaram as sociedades da época de uma maneira irreversível, desencadeando movimentos, os quais: ecologistas, feministas, das organizações não-governamentais , dos defensores das minorias e dos direitos humanos.
"1968" foi também uma reação extremada, juvenil, às pressões de mais de vinte anos de Guerra Fria.
No Brasil, A ditadura militar implantou-se em 1964 em consequência do golpe militar contra João Goulart, mas foi com o Acto Institucional nº5 de 1968 que o regime conheceu a sua expressão mais dura. No Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968, um secundarista carioca chamado Edson Luís foi morto numa operação policial de repressão a um protesto em frente ao restaurante universitário "Calabouço", comovendo toda a nação. A partir daquele momento o Brasil entraria nos dez meses mais tensos e convulsionados da sua história do após-guerra. Em 26 de junho daquele ano, 100 mil pessoas - a Passeata dos Cem Mil - marcharam pelas ruas do Rio de Janeiro exigindo abrandamento da repressão, o fim da censura e a redemocratização do país. A insatisfação da juventude universitária, com o Regime Militar de 1964, recebeu adesão de escritores e gente do teatro e do cinema perseguidos pela censura.


Findando o contexto histórico e político, voltaremos, agora, nosso olhar à questão literária no Brasil, a qual refletia toda a situação asfixiante, dolorosa, repressora, conseqüente do regime militar ditatorial do país. Autores e escritores tomavam por objetivo relatar o que vivenciavam, o que atribuiu à arte um cunho político e engajado. Cada obra era, então, uma estratégia de denúncia, de conscientização, de apelo à cumplicidade do leitor. Além disso, a repressão política implantou um decreto que estabelecia a censura prévia para livros e publicações. Artistas tiveram necessidade de buscar técnicas para iludir a censura. Então, houve um deslocamento das funções da imprensa para a literatura, pois o que não poderia estar nos jornais, nela estava como "ficção", estória, conto e arte.
Numa carta de Jorge Amado a seu pai ele opina " (...)o decreto que estabelece a censura prévia para livros e publicações é simplesmente monstruoso, profundamente lesivo à cultura nacional, ele coloca o ato da criação literária sob a batuta da polícia. Chega a ser incrível de tão agressivo à vida intelectual. Não creio que exista um só escritor que não proteste contra tal decreto. Quem ficar calado não merece o título de escritor (...) evidentemente não sujeitarei livro meu à Censura. Prefiro deixar de publicar no Brasil(...)". De fato, isto é o reflexo sintomático da violência psicológica que estava sendo exercida sobre os escritores brasileiros.
Em conseqüência da ditadura e da censura, surge o romance-reportagem em nosso quadro literário, principalmente a partir de 1975. Houve uma grande preocupação de historiar, testemunhar, fazer uma literatura documental, muito próxima do jornalismo, do qual chegou a usar fórmulas até então jamais tentadas. Os autores de romances reportagem da década de 70 eram os jornalistas experientes que encontraram nessa nova forma de discurso um espaço não mais existente na imprensa.
Silviano Santiago opina sobre este gênero e reclama a escassez da ficção em nossa literatura, ao estudar a da década posterior: "A literatura dos anos 80 nasce de uma pobreza radical. A ditadura militar serviu apenas para acentuar aquilo que, na literatura brasileira, deu-lhe solo e tranqüilidade: a fidelidade documentária ou sentimental. Chegou-se nas décadas passadas ao fundo do posso da história, que se imobilizou num conservadorismo violento, e ao fundo do poço da ficção, onde se cristalizou o padrão legitimador da produção poética pátria." (As escrituras falsas são, p.307)
Segundo Antônio Cândido: "Na ficção, o decênio de sessenta teve algumas manifestações fortes na linha mais ou menos tradicional de fatura, como os romances de Antonio Callado, que renovou a "literatura participante" com destemor e perícia, tornando-se o primeiro cronista de qualidade do golpe militar em Quarup (1967), a que seguiria a história desabusada da esquerda aventureira em Bar Don Juan(1971). Na mesma linha de inconformismo e oposição, o veterano Érico Veríssimo produziu a fábula política Incidente em Antares(1971), e com o correr dos anos, surgiu o que se poderia chamar ‘’geração da repressão’’, formada pelos jovens escritores amadurecidos depois do golpe dos quais serve de amostra Renato Tapajós, no romance Em câmara lenta (1977), análise do terrorismo com técnica ficcional avançada (apreendido por ordem da censura, foi liberado judicialmente em 1979).
Mas o timbre dos anos 60 e sobretudo 70 foram as contribuições da linha experimental renovadora, refletindo de maneira crispada, na técnica e na concepção da narrativa, esses anos de vanguarda estética e amargura política."
Obras como o Quarup e Reflexos do baile de Antônio Callado, As meninas de Lygia Fagundes Telles, Zero de Ignácio Loyola Brandão, A festa de Ivan Ângelo, Feliz Ano Novo de Rubem Fonseca, As confissões de Ralfo de Sérgio Santana, Incidente em Antares de Érico Veríssimo, Via crucis do Corpo de Clarice Lispector, Maíra de Darcy Ribeiro, a Região Submersa de Tabajara Ruas, Sargento Getúlio de João Ubaldo Ribeiro, A casa da paixão e Tebas do meu coração de Nélida Piñon e As Vedettes de Cassandra Rios têm em comum o contexto sócio-político em que foram produzidos. Cada uma destas obras é um modo diverso de ler a situação política. São estratégias de combater a ditadura pela arte, formas de denunciar: seja pela crueza, seja pela ironia, seja pelo humor, seja pelo fantástico, seja pelo realismo.
Para encerrar, proponho a leitura de quatro romances da década de 70, com a apresentação de seus escritores e uma breve sinopse recolhida a cada um deles, para o melhor entendimento da questão abordada sobre este gênero, o romance-reportagem:

Antonio Callado - A ação de Quarup(1967) transcorre no período que vai do suicídio de Getúlio Vargas(1954) ao golpe militar de 1964 e mostra, sob a ótica do jovem padre Nando, a realidade social e política do Brasil desses tumultuados dez anos.
João Ubaldo – Em Sargento Getúlio(1971), a narrativa está centrada num monólogo, quebrado por alguns diálogos, do sargento da polícia militar Getúlio Santos Bezerra. Ele recebera, como última incumbência antes da aposentadoria, a ordem de prender um adversário de um importante chefe político e levá-lo para Aracaju.

Lygia Fagundes Telles – Em As Meninas(1973), a história se passa na década de 60,na época da ditadura militar.Conta as histórias de três moças:Lorena,Ana Clara e Lia.Todas com suas histórias,elas moram em um pensionato.

Rubem Fonseca – Feliz ano novo(1975) expõe cruamente o contraste entre a classe marginalizada, pobre, e a burguesia, abastada e indiferente ao que acontece na periferia citadina. Teve sua publicação e circulação proibidas em todo o território nacional um ano mais tarde.

Bibliografia e fontes:

A Nova Narrativa Cândido, Antônio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989.
SANTIAGO, Silviano. As escrituras falsas são. In: Revista 34 Letras (número 5/6). Rio de Janeiro: Setembro de 1989
O ROMANCE REPORTAGEM E A CRÍTICA SOCIAL Carla Lavorati ( Graduanda- Bolsista PET-Letras) UNICENTRO Níncia Cecília Ribas Borges Teixeira ( Pós Doutora) UNICENTRO
Movimento Hippie
http://www.geocities.com/vilardemouros1971/hippies.htm

Romance - reportagem
Talita Beccaris Martins
http://www.vtower.org/cgi-bin/index.cgi?action=viewnews&id=1869

Postado por : Juliana Vizo Barbosa

Um comentário:

Beatriz disse...

Muito boa publicação, adorei!