domingo, 8 de junho de 2008

Duas épocas

Há pouco tempo terminou na emissora Globo a novela Duas Caras, exibida no horário nobre. Um dos temas da novela era o triângulo amoroso vivido pelos personagens Dália, Bernardinho e Heraldo. O autor de Duas Caras, Aguinaldo Silva, mostrou como o trio se gostava, não deixando de retratar o preconceito que os três sofriam na comunidade onde moravam, comunidade da qual se pode dizer que é um reflexo da própria sociedade atual.

Este assunto me faz lembrar da obra de Jorge Amado, Dona Flor e Seus Dois Maridos, publicada no ano de 1966 e levada ao cinema em 1976, por Bruno Barreto. A história gira em torno de três personagens: Florípedes, Vadinho, sujeito muito malandro e esposo de Florípedes, conhecida como Dona Flor e Dr. Theodoro, um homem bastante recatado. Um ano após a morte de Vadinho, Dona Flor se casa com o Dr. Theodoro. Passado um ano de matrimônio, o fantasma de Vadinho aparece e D. Flor passa a viver ao lado dos dois.

Aos olhos de algumas pessoas daquela sociedade, D. Flor jamais poderia viver este tipo de relacionamento, se Vadinho não fosse um fantasma. No entanto, atualmente, os olhos da nossa sociedade também não vêem este relacionamento como imoral, assim como retratado em Duas Caras? Dona Flor e Seus Dois Maridos se distingue de Duas Caras com relação à época.

Naquele tempo, década de 60, o Brasil passava por um momento de ditadura militar, em que a liberdade de expressão era censurada. Período que até mesmo o cinema, a música, vários pontos da cultura foram atingidos. Com a insensibilidade do governo, iniciaram-se contestações explícitas contra o militarismo no Brasil e, a partir de então, os padrões de comportamento começaram a se aflorar no país. O ano de 1968, em especial, é marcado pela luta da liberdade sexual, pela revolução nas relações de gêneros, pela ascensão de movimentos contra a discriminação de gays e negros. Foi um momento no qual se possibilitou à utopia, a idealização de um "mundo igualitário". Haquira Osakabe resume: “‘Experiência social’, ‘política’, ‘histórica’, ‘psicológica’, ‘juventude’, tudo isso está contido na ordem múltipla dos acontecimentos de 1968”.

É interessante como Jorge Amado em sua obra abre as portas a algo que até então num Brasil de ditadura era uma peculiaridade. Segundo Roberto DaMatta, o ponto de vista da mulher, as ambigüidades, as formas como as relações amorosas se dão passam a ter certo valor e podem deixar de ser vistos como pontos negativos dentro da sociedade.

Jorge Amado escrevendo Dona Flor e Seus Dois Maridos


Em 2008, não vivemos uma ditadura militar, mas como em Duas Caras, Aguinaldo Silva tenta focalizar o lado do Brasil que, contudo, ainda sofre vários preconceitos e incompreensões. Apesar disso, os movimentos estudantis prosseguem, as reivindicações a favor das minorias permanecem, o lema "É proibido, proibir" parece repercutir em nossos dias.


Mesmo passados 40 anos, a literatura de Jorge Amado continua "moderna"? O Brasil continua o mesmo? Não podemos negar que o nosso Brasil se transforma, se modifica. A verdade é que não importa se é o "Brasil" de Jorge Amado ou o de Aguinaldo Silva, a questão é que os valores considerados tanto negativos quanto positivos são os mesmos e apenas presenciados em contextos diferentes, em duas épocas distintas.

Sugestões

Os que não tiveram a oportunidade de assistir ao filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, podem ver um pequeno vídeo no Youtube do filme lançado em 1976.

http://br.youtube.com/watch?v=lLDaCtqk-So





Quem é aficionado pela vida e obra de Jorge Amado pode ir à exposição A Bahia de Jorge Amado no acervo do IMS, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro (IMS). A mostra permanece em cartaz até 20 de agosto. A entrada é franca e fica na Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea; tel.: (0 XX 21) 3284 – 7400


*As imagens foram retiradas do site:www.jorgeamado.com.br


Postado por Amanda dos Santos Anacleto

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