segunda-feira, 23 de junho de 2008

Carlos Drummond de Andrade e seu olhar para o passado em 1968

Em 28 de março de 1968, Edson Luis, estudante secundarista carioca, foi morto numa operação policial de repressão a um protesto em frente ao restaurante universitário “Calabouço”. Deu-se uma comoção nacional que mobilizou, no enterro do jovem, uma multidão de 50 mil pessoas.
A partir desse momento, o Brasil entraria nos dez meses mais tensos e convulsionados da sua história desde o pós-guerra. A insatisfação da juventude universitária com o Regime Militar de 1964 recebeu adesão de escritores e pessoas ligadas ao teatro e ao cinema perseguidos pela censura. As principais capitais do país, principalmente Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, em pouco tempo se tornaram praça de guerra onde estudantes e policiais se enfrentavam quase que diariamente. Cada ação repressora mais excitava a juventude à oposição. Naquela altura apenas os estudantes enfrentavam o regime, pois os líderes civis da Frente Ampla (Carlos Lacerda, JK e João Goulart) haviam sido cassados.
Em outubro, ao organizar clandestinamente o 30º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), o movimento estudantil praticamente se suicidou. Descobertos em Ibiúna, no interior de São Paulo, 1200 foram presos. Como coroamento do desastre, o regime militar sob chefia do General Costa e Silva, decretou, em 13 de dezembro, o AI-5.
Para quem vinha com os sonhos de país grande e desenvolvido, que estava em vias de generalizar a educação básica para todos, fazer a reforma agrária que tiraria o campo da Idade Média, hospedar e desenvolver a indústria moderna, esse golpe e sua conseqüentes represálias foram um golpe quase letal, percebido principalmente na Literatura.
Se considerarmos que na década de 1960 o Brasil acompanhava ao vivo o auge da carreira e do talento de escritores como Manuel Bandeira, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Mario Quintana, entre outros.
O que essa gente representava, vista à distância de mais de 40 anos, era a esperança, quase a certeza, de que, estando maduros em matéria de produção literária, poderíamos esperar maturidade também na outra ponta do processo, a leitura, a criação e o desenvolvimento de leitores, massas de leitores, para usufruir tal e tamanha qualidade. As gerações em atuação naquele momento, somadas ao patrimônio anterior já produzido na língua - Camões, Vieira, Machado, Fernando Pessoa, Graciliano - , nos autorizava a sonhar com uma comunidade real de leitores, que deixaria no passado as terríveis sombras sociais que por tanto tempo excluíram a população do ensino, da leitura, da inteligência formal.
Mas veio o Golpe de 64, que em 1968 ganharia contornos mais restritivos ainda contra o exercício da inteligência. Nesse contexto, alguns escritores como por exemplo João Cabral de Melo Neto é perseguido por ousar não se enquadrar na censura, outros preferem sair do país, como Murilo Mendes e ainda existem os que resolvem não falar do momento em que se encontram e sim voltar-se para o passado, como é o caso de Carlos Drummond de Andrade.
Em 68, Drummond publica Boitempo, livro de recordações poéticas da infância, um momento em que o menino faz a passagem do mundo rural para o colégio interno. A roça está representada no boi, um animal calmo, que rumina indefinidamente os alimentos, simbolizando também a própria condição memoralística deste “eu” que não termina nunca de digerir suas recordações.
Muitos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade, predomina em Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945), obras que não fogem a uma tendência observável em todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo. A consciência do tenso momento histórico produz a indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista.
O passado ressurge muitas vezes na poesia de Drummond e sempre como antítese para uma realidade presente. A terra natal - Itabira - transforma-se então no símbolo da atmosfera cultural e afetiva vivida pelo poeta. E é justamente esse passado que invade a sua obra, e é essa Itabira que serve como válvula de escape para ele não falar do período crítico em que vive em 68.
Nos primeiros livros, a ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as impressões gravadas na memória. Transformar essas impressões em poemas significa reinterpretar o passado com novos olhos. O tom agora é afetuoso, não mais irônico. Da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens e do momento histórico, resulta a constatação de que o ser humano luta sempre para sair do isolamento, da solidão.
Não que as produções literárias desse período sejam medíocres, elas só não tem o objetivo de se comprometer, de serem contestatórias do sistema. E justamente por isso o título ser “o ano que derrubou a literatura” no sentido de que não temos grandes obras que retratam o período, evidenciando a grande censura e conseqüente perseguição aos artistas mais ousados.
Drummond é crítico ao tratar da opressão que marcou a Segunda Guerra Mundial, pois por mais que o Brasil tenha sentido as conseqüências, sua obra não sofreria retaliações, fato que muda com o golpe militar e que fica bem claro na postura adotada em 1968.
A literatura precisa de liberdade, calar o poeta é cegar os leitores, é ocultar das futuras gerações o passado que eles receberam de herança. Apesar de se considerar 1968 como o ano que não acabou devido a uma série de resquícios que perduram até hoje, não podemos voltar ao passado, pois nos é precária uma literatura-reportagem, um retrato da sociedade e dos grandes cérebros da época. E a isso só nos resta lamentar.

Por Suzane Pacheco Martins Pereira

3 comentários:

Marcela Jones; disse...

incrível seu blog, http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=76841129.


(+ favoritos)
;*

Cintia Pereira dos S. Machado disse...

Faço pesquisas tentando compreender este período crucial de nossa história. Os que usaram a arte para protestar nem sempre eram mais contrários ao regime do que os que se omitiram. A negação do presente somados à valorização de um passado nostalgicamente belo em várias poesias, contos e músicas da época estão longe de ser uma forma de comodismo puro e simples, alguns são denúncia explícita da falta de perspectivas de um futuro melhor. Os que foram presos e torturados por dizer o que pensavam foram heróis? Sim, sem dúvida alguma. E os que se calaram? Será que também não sofrerão? E se eu vivesse naquele tempo? Me pergunto como agiria...

Auíri Au disse...

BAcana